Acerca das Teorias sobre a
origem da alma procuro propor uma solução lógica e mais próxima da correta, à
qual se seguirá, à guisa de Apêndice ilustrativo, uma breve resenha de teorias
até então expostas e algumas não aceitáveis.
O Criacionismo (Teoria que
afirma que cada alma é criada por Deus ex-nihilo). Seguido por Aristóteles, Jerônimo, Pelágio,
Calvino, católicos romanos e teólogos reformados, diz que cada alma individual
é criada imediatamente por Deus e colocada no corpo na concepção, ou um pouco
mais tarde.
A questão da origem da alma
humana se resolve sem dificuldade, desde que se leve em conta a sua natureza
espiritual. Com efeito; se o modo de agir revela o modo de ser (ou a índole
própria) de determinada criatura, o modo de ser, por sua vez, revela o modo de
começar ou de originar-se dessa criatura. Há uma correspondência entre agir,
ser e vir-a-ser:
A primeira manifestação de
uma criatura é o seu modo de agir. Observando-o, percebemos o seu modo de ser;
e, observando o modo de ser, deduzimos o modo de vir-a-ser dessa criatura.
Consequentemente, se o agir
e o ser da alma humana ultrapassam o concreto material ou transcendem a
matéria, a origem da mesma há de ser também imaterial. Com outras palavras: a
alma humana não vem da matéria nem por evolução nem por geração, mas
diretamente por um ato criador de Deus. – O Senhor cria e infunde cada alma
humana no momento em que se dá a fecundação do óvulo pelo espermatozoide; o
embrião recém-fecundado já possui virtualmente a organização típica do corpo
humano; basta que cresça para que revele as características do organismo
humano; daí dizer-se que já é animado pelo princípio vital (alma) próprio do
corpo humano. Está hoje em dia superada a tese da animação gradativa, segundo a
qual o embrião teria primeiramente uma alma meramente vegetativa; depois, uma
alma sensitiva, e por último a alma intelectiva, tipicamente humana e
espiritual. Não há razão para admitir tal hipótese, visto que o embrião humano
já é plenamente humano desde que existe o ovo fecundado; uma só alma –
intelectiva e espiritual – preenche as funções vegetativas, sensitivas e
intelectivas. EvangelicalDictionaryOfTeology, Walter A. Elwell, pp. 1037, 1106,–
A propósito veja-se o artigo do Prof. JérômeLejeune, publicado em PR 305/1987,
pp. 457-461, no qual o autor, após longa pesquisa, afirma a existência de
autêntico ser humano desde a fecundação do óvulo pelo espermatozoide.
Teorias não aceitáveis
a) O emanatismo ensina que a
alma humana é centelha da Divindade apoucada ou amesquinhada na matéria;
entraria no embrião por emanação a partir da Divindade. Tal é a posição de
correntes panteístas antigas, medievais e modernas. – Não se sustenta, pois
supõe que a Divindade se possa repartir, distribuindo-se pelos corpos dos seres
humanos. A Divindade não tem partes, pois isto significaria ser extensa e
corpórea – predicados que não competem a Deus, ciencia_e_fé.
b) O traducianismo¹ ou
generacionismo corporal admite que a alma de cada genitor possa emitir uma
semente vital; a respectiva fecundação daria origem à alma da prole. – Tal
teoria é falha por atribuir à alma espiritual sementes vitais corpóreas, das
quais se originaria outra alma espiritual. Espírito e corpo são realidades
radicalmente diferentes, de modo que não há transição de uma para outra. O
espírito é precisamente o ser incorpóreo, inextenso e imaterial, dotado de
inteligência e vontade.
c) O traducianismo ou
generacionismo espiritual afirma que, por ocasião da fecundação, a alma da
prole se deriva das almas dos genitores como a chama se deriva da chama, sem
semente corpórea. Santo Agostinho (+ 430) era propenso a admitir tal teoria. –
Também esta é falha, pois supõe que a alma humana se possa repartir – o que
contradiz à natureza espiritual da alma humana; o espírito não tem extensão nem
partes.
S. Agostinho era favorável a
tal tese, pois lhe parecia explicar bem a transmissão do pecado original. – Ora
a propósito deve-se dizer que o pecado original na criança não consiste em
alguma mancha herdada dos pais, mas, sim, na ausência da graça santificante e
dos demais dons que os primeiros pais receberam e deviam ter guardado para os
transmitir aos seus descendentes. Essa ausência é compatível com a realidade de
uma alma espiritual diretamente criada por Deus, com tudo o que naturalmente a
integra; a graça santificante e os dons paradisíacos foram gratuitamente dados
por Deus aos primeiros pais; não pertencem à essência da alma humana.
Resta, pois, a doutrina
criacionista como genuína maneira de explicar a origem da alma humana.
A alma do homem e sua
origem.
(a) A natureza da alma. A
alma é aquele princípio inteligente e vivificante que anima o corpo humano,
usando os sentidos físicos como seus agentes na exploração das coisas materiais
e os órgãos do corpo para se expressar e comunicar-se com o mundo exterior.
Originalmente a alma veio a
existir em resultado do sopro sobrenatural de Deus. Podemos descrevê-la como
espiritual e vivente, porque opera por meio do corpo. No entanto, não devemos
crer que a alma seja parte de Deus, pois a alma peca. É mais correto dizer que
é dom e obra de Deus. (Zac. 12:1.) Segundo MyerPearlman devem-se notar quatro
distinções:
1. A alma distingue a vida
humana e a vida dos irracionais das coisas inanimadas e também da vida
inconsciente como a vegetal. Tanto os homens como os irracionais possuem almas
(em Gên. 1:20, a palavra "vida" é "alma" no original).
Poderíamos dizer que as plantas têm alma (no sentido de um princípio de vida),
mas não é uma alma consciente.
2. A alma do homem o
distingue dos irracionais. Estes possuem alma, mas é alma terrena que vive
somente enquanto durar o corpo. (Ecl. 3:21.) A alma do homem é de qualidade
diferente sendo vivificada pelo espírito humano. Como "toda carne não é a
mesma carne", assim sucede com a alma; existe alma humana e existe alma
dos irracionais. Evidentemente, os homens fazem o que os irracionais não podem
fazer, por muito inteligentes que sejam; a sua inteligência é de instinto e não
proveniente de razão. Tanto os homens como os irracionais constroem casas. Mas
o homem progrediu, vindo a construir catedrais, escolas e arranha-céus,
enquanto os animais inferiores constroem suas casas hoje da mesma maneira como
as construíam quando Deus os criou. Os irracionais podem guinchar (como o
macaco), cantar (como o pássaro), falar (como o papagaio); mas somente o homem
produz a arte, a literatura, a música e as invenções cientificas. O instinto
dos animais pode manifestar a sabedoria do seu Criador, mas somente o homem
pode conhecer e adorar a seu Criador. Para melhor ainda ilustrar o lugar
elevado que ocupa o homem na escala da vida, vamos observar os quatro degraus
da vida, que se elevam em dignidade um sobre o outro, conforme a independência
sobre a matéria. Primeiro, a vida vegetal, que necessita de órgãos materiais
para assimilar o alimento; segundo, a vida sensível, que usa os órgãos para
perceber as coisas materiais e ter contato com elas; terceiro, a vida
intelectual, que percebe o significado das coisas pela lógica, e não meramente
pelos sentidos; quarto, a vida moral, que concerne à lei e à conduta. Os
animais são dotados de vida vegetativa e sensível; o homem é dotado de vida
vegetativa, sensível, intelectual e moral.
3. A alma distingue um homem
de outro e dessa maneira forma a base da individualidade. A palavra
"alma" é, portanto, usada frequentemente no sentido de
"pessoa". Em Êxodo. 1:5 "setenta almas" significa
"setenta pessoas". Em Rom.13:1 "cada alma" significa
"cada pessoa". Atualmente dizemos, " não havia nem uma alma
presente", referindo-nos às pessoas.
4. A alma distingue o homem
não somente das ordens inferiores, mas também das ordens superiores dos anjos,
porque estes não têm corpos semelhantes aos dos homens. O homem tomou-se um
"ser vivente", quer dizer, a alma enche um corpo terreno sujeito às
condições terrenas. Os anjos se descrevem como espíritos (Heb. 1:14), porque
não estão sujeitos às condições ou limitações materiais. Por essa mesma razão
se descreve Deus como "Espírito". Mas os anjos são espíritos criados
e finitos, enquanto Deus é o Espírito eterno e infinito.
(b) A origem da alma.
Sabemos que a primeira alma veio a existir como resultado de Deus ter soprado
no homem o sopro de vida. Mas como chegaram a existir as almas desde esse
tempo? Os estudantes da Bíblia se dividem em dois grupos de idéias diferentes:
(1) Um grupo afirma que cada alma individual não vem proveniente dos pais, mas
sim pela criação Divina imediata. Citam as seguintes escrituras: Is. 57:16;
Ecl. 12:7; Hb. 12:9; Zc. 12:1
(2) Outros pensam que a alma
é transmitida pelos pais. Apontam o fato de que a transmissão da natureza
pecaminosa de Adão à posteridade milita contra a criação divina de cada alma;
também o fato de que as características dos pais se transmitemà descendência.
Citam as seguintes passagens: João 1:13; 3:6; Rom. 5:12; 1 Cor.15:22; Efés.
2:3; Heb. 7:10.
(c) Alma e corpo. A relação
da alma com o corpo pode ser descrita e ilustrada da seguinte maneira:
1. A alma é a depositária da
vida; ela figura em tudo que pertence ao sustento, ao risco, e à perda da vida.
É por isso que em muitos casos a palavra "alma" tem sido traduzida
"vida". (Vide Gên. 9:5; 1 Reis 19:3; 2:23; Prov. 7:23; Êx. 21:23,30;
30:12; Atos 15:26.) A vida é o entrosamento do corpo com a alma. Quando a alma
e o corpo se separam, o corpo não existe mais; o que resta é apenas um grupo de
partículas materiais num estado de rápida decomposição.
2. A alma permeia e habita
todas as partes do corpo e afeta mais ou menos diretamente todos os seus
membros. Este fato explica por que as Escrituras atribuem sentimentos ao
coração e aos rins (Sal. 73:21; Jo 16:13; Lm. 3:13; Prov. 23:16; Sal. 16:7; Jr.
12:2; Jo. 38:36); às entranhas (Fl. 12; Jr. 4:19; Lm. 1:20;
2:11; Ct. 5:4; Isa. 16:11);
e ao ventre (Hab. 3:16; Jo 20:23; 15:35; João 7:38). Esta mesma verdade, de que
a alma permeia o corpo, explica porque em muitas passagens se descreve a alma
executando atos corporais. (Prov. 13:4; Isa. 32:6; Num. 21:4; Jr. 16:16;
Gên.44:30; Ez. 23:17, 22, 28.) "As partes internas" ou
"entranhas" é a expressão que geralmente descreve o entrosamento da
alma com o corpo. (Isa. 16:11; Sal. 51:6; Zac. 12:1; Isa. 26:9; 1 Reis 3:28.)
Essas passagens descrevem as partes internas como o centro dos sentimentos, de
experiência espiritual e de sabedoria. Mas notemos que não é o tecido material
que pensa e sente, e, sim a alma operando por meio dos tecidos. Corretamente
falando, não é o coração de carne, mas a alma, por meio do coração, que sente.
3. Por meio do corpo a alma
recebe suas impressões do mundo exterior. Essas impressões são percebidas por
estes sentidos: vista, audição, paladar, olfato e tato, e são transmitidas ao
cérebro por via do sistema nervoso. Por meio do cérebro a alma elabora essas
impressões pelos processos do intelecto, da razão, da memória e da imaginação.
A alma atua sobre essas impressões enviando ordens às várias partes do corpo
por via do cérebro e do sistema nervoso.
4. A alma estabelece contato
com o mundo por meio do corpo, que é o instrumento da alma. O sentir, o pensar,
o exercer vontade e outros atos, são todos eles atividades da alma ou do
"eu". É o "eu" que vê e não somente os olhos; é o
"eu" que pensa e não meramente o intelecto; é o "eu" que
joga a bola e não meramente o meu braço; é o "eu" que pede e não
simplesmente a língua ou os membros. Quando um membro é ferido, a alma não pode
funcionar bem por meio dele; em caso de lesão cerebral pode resultar a
demência. A alma então passa a ser como um músico com um instrumento danificado
ou quebrado.
Concluindo então,
depreende-se que a origem da alma pode explicar-se pela cooperação tanto do
Criador como dos pais. No princípio duma nova vida, a Divina criação e o uso
criativo de meios agem em cooperação. O homem gera o homem em cooperação com
"o Pai dos espíritos". O poder de Deus domina e permeia o mundo (Atos
17:28; Heb. 1:3) de maneira que todas as criaturas venham a ter existência
segundo as leis que ele ordenou. Portanto, os processos normais da reprodução
humana põem em execução as leis da vida fazendo com que a alma nasça no mundo.
A origem de todas as formas
de vida está encoberta por um véu de mistérios (Ecl. 11:5; Sal. 139:13-16; Jo
10:8-12), e esse fato deve servir de aviso contra a especulação sobre as coisas
que estão além dos limites das declarações bíblicas, sendo assim a existência
da alma em parte é Ato Divino e em parte transmitida pelos pais no ato
fecundativo para a propagação da posteridade do casal.
Valmir Barcellos, Teólogo, Ministro e Terapeuta.
Mestre em Teologia